A nova inovação é neutralizar o celular – e “desmudar” o mundo!

No final do semestre passado, no saguão branco e reluzente do Madison Square Garden, atendentes uniformizados foram designados a checkpoints de segurança para tornar milhares de smartphones inúteis. Chris Rock estava fazendo seu 10º show em uma turnê internacional de 12 cidades, e a cada parada, cada convidado era obrigado a passar pela entrada, confirmar que seu celular estava em vibracall ou silencioso, e então entregá-lo a um segurança que o colocava em uma bolsa cinza inviolável de neopreno — fazendo com que o aparelho ficasse totalmente inacessível. O homem de terno à minha frente na fila, claramente vindo direto do trabalho, tinha dois celulares, cada um dos quais precisou de sua própria bolsinha. O garoto atrás de mim lamentou que não poderia transmitir sua noite no Snapchat. A amiga que eu tinha vindo encontrar não estava em lugar nenhum, e depois de colocar meu celular na bolsa, não podia mandar mensagem para perguntar onde ela estava. Finalmente a encontrei perto da escada rolante. “Isso foi estranhamente assustador,” ela disse, rindo.

Com celular… // Créditos: NBC News

O show começaria em 45 minutos. Ainda haviam assentos para encontrar, visitas ao banheiro para fazer, garrafas de água para comprar. E por todo o saguão, as mãos por todo lado estavam inquietas. Era como se todos os 5.500 de nós tivéssemos sido reduzidos, pela simples e repentina desativação dos nossos celulares, em uma sala cheia de viciados sem sua droga.

Passávamos manteiga de cacau sem necessidade, rasgávamos nossos lencinhos, estalávamos os dedos. Os realmente desesperados poderiam se aliviar em uma “zona do telefone” com divisória do lado de fora do auditório, onde um funcionário destravaria a bolsa enquanto você ficasse no local do tamanho de um banheiro. “Preciso avisar à minha esposa que não tem sinal aqui,” disse um homem a seu amigo antes de entrar. Uma mulher passou rindo: “É como uma área de fumantes! Olha para todos esses viciados.” Enquanto isso, os que resistiam à tentação de usar seus aparelhos 5 minutos após terem guardado, reclamavam que não sabiam a hora.

…e sem celular. // Créditos: Yondr

Yondr, uma empresa de São Francisco com 17 empregados e sem investimento de capital de risco, foi responsável pela restrição aos celulares. Suas pequenas bolsas de tecido, que fecham com um cadeado patenteado que só pode ser aberto com um dispositivo da própria Yondr, têm sido usadas em shows de Alicia Keys, Childish Gambino e Guns N’ Roses, e em apresentações de comediantes como Rock, Dave Chappelle e Ali Wong, que não querem seus materiais vazados no YouTube ou seus públicos distraídos pelo Instagram. São usadas em hospitais e centros de reabilitação para reforçar a conformidade com as leis de privacidade na saúde, em centrais de atendimento para proteger informações sigilosas de clientes, em igrejas para focar a atenção no Todo-poderoso, e em cortes para evitar a intimidação de testemunhas. São usadas em mais de 600 escolas públicas dos EUA para forçar as crianças, enfim, a olhar para o quadro, e não para as telas. O engenhoso e descomplicado pedaço de pano só tem uma função: limitar o uso de smartphones onde as pessoas no comando não o quiserem, o que é ótimo se significa que artistas podem se expressar livremente ou que nós podemos ir ao médico sem medo de estar sendo gravados. Mas quando significa sufocar a expressão em lugares onde smartphones se tornam cada vez mais a nossa melhor chance de documentar abusos, crimes crônicos, e contar ao mundo o que vemos, o objeto toma uma dimensão diferente, e mais obscura. “O smartphone é muitas coisas,” diz Jay Stanley, analista de políticas sênior da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU). “Uma forma de invasão da privacidade” — algo do qual precisamos nos proteger — “mas também um instrumento da liberdade de expressão.”

Conheci Graham Dugoni, fundador do Yondr, enquanto tomávamos alguns drinks em Williamsburg, Brooklyn. Ele estaria em Nova York por dois dias, encontrando-se com vendedores, clientes e parceiros de negócios para discutir como e por que deveriam usar o Yondr. “Todo mundo entende muito intuitivamente,” diz ele. “Nossa dependência dos celulares não é tão intelectual. É muito mais uma coisa corporal, então sempre esteve claro para mim que qualquer solução que houvesse para este problema deveria ser, por si mesma, física e tangível.”

Créditos: Veloxity.us

Este problema. É um que todos temos. Checar o Instagram 897 vezes por dia. Atualizar o Twitter e nem ler o que aparece. Sentir nossos telefones vibrando, imaginando que um estranho bacana veio nos oferecer o emprego dos sonhos, e depois nos odiarmos por sermos tão ingênuos. “Se você usa um dispositivo o tempo todo, ele vai afetar seu sistema nervoso e afetar seus padrões de pensamento e interação social. É somente uma checagem de impulsos que precisamos, eu acho,” diz Dugoni. Ele vê isso como uma época nova e desajeitada da humanidade onde podemos todos precisar de um pouco de ajuda para sermos nossa melhor versão. “Em nossa sociedade moderna atomizada e hiperconectada,” diz ele, “entrar em um espaço livre de celulares fornece a fundação da atenção continuada, diálogo e liberdade de expressão.”

Dugoni, que tem 31 anos e projeta a confiança física de um atleta de esportes radicais, tem um celular flip e afirma que não lê as notícias. “Eu sou muito seletivo quanto às coisas que recebo,” ele me conta. “Tenho um palpite de que a raça humana não esteja preparada para os estímulos visuais e auditivos atuais.” E desde a fundação do Yondr em 2014, ele considerou sua responsabilidade tentar nos trazer de volta a um tempo onde os celulares não eram tudo e em todo lugar. Ele quer que des-mudemos o mundo. “Vejo isso como um movimento,” diz ele. “De verdade.”

Dugoni cresceu em Portland, Oregon, estudou Ciência Política na Universidade Duke, e jogou futebol profissional na Noruega até que um ferimento o forçou a sair do campo direto para as finanças. Aos 24, ele se mudou para Atlanta, onde trabalhou infeliz para uma firma de investimento médio, e pela primeira vez na sua vida passava 8 horas por dia em frente a uma mesa. Posteriormente, Dugoni se mudou para a Bay Area e passou alguns meses trabalhando em várias startups, mas também odiava isso. Em 2012, em um festival de música em São Francisco, ele testemunhou dois estranhos filmando um bêbado dançando sem se importar; eles então postaram o vídeo no YouTube. Chocado, Dugoni começou a pensar sobre como poderia ter prevenido esses estranhos de fazer de um momento particular de alguém um espetáculo público. Uma ferramenta, talvez, para criar um espaço livre de telefones.

Ele passou o próximo ano e meio pesquisando opções, lendo sobre sociologia, fenomenologia e filosofia da tecnologia. E em 2014, depois de fazer experimentos com diferentes conceitos, incluindo um escaninho que guardaria celulares individualmente, ele se decidiu por uma bolsa que deixaria as pessoas guardarem seus celulares sem poder usá-los. Pelos próximos seis meses, ele passou noites avaliando materiais do Alibaba, o conglomerado de e-comércio, e falando no telefone com fornecedores chineses de tecidos e plásticos. Ele então ficava na mesa de sua cozinha até a alta madrugada criando pequenas luvas parecidas com mangas de capa de chuva e colocando celulares dentro delas. Depois de 10 protótipos, ele criou uma versão que trancava e destrancava facilmente. Ele tinha esse produto, e juntou US$ 100.000 (R$ 320.000) com ajuda da família, amigos, investidores-anjo e sua própria poupança para fabricar e comercializar a bolsa.

Graham Dugoni passou por 10 protótipos antes de aperfeiçoar o encaixe e funcionalidade do Yondr. Foto: Maria Lokke

Desde o começo, produtores de shows entenderam o atrativo da bolsa, e canais de entretenimento se tornaram os primeiros clientes do Yondr. Isso mudou em 2016, quando Joseph Evers, administrador da corte do condado da Filadélfia, foi assistir uma apresentação de comédia no Cassino Valley Forge. Quando o segurança pediu por seu celular, colocou-o dentro de uma bolsa e a trancou, Evers percebeu que poderia solucionar um grande problema nos julgamentos. Naquele tempo, ele estava tendo dificuldades com intimidações a testemunhas: as pessoas estavam indo a audiências e postando fotos dos procedimentos nas redes sociais. “Já tentamos coletar os celulares, mas era um pesadelo,” ele me conta. “Levava tempo demais, e aconteciam muitos danos [aos aparelhos] pelos quais tínhamos que pagar.” O Yondr parecia ser a solução óbvia. Alguns dias depois, ele entrou em contato com a empresa, e um funcionário atravessou o país com algumas amostras. Evers os apresentou ao conselho administrativo das cortes da Filadélfia, e todos concordaram imediatamente e unanimemente. Agora, em um dia qualquer, cerca de 2.000 bolsas Yondr são usadas nas cortes da Filadélfia.

No início, segundo Evers, havia preocupação de que as pessoas iriam estranhar o processo, mas não foi o caso. “Não tem muito drama,” diz ele. “As pessoas entram na fila e fazem o que têmq ue fazer.” Evers diz que a corte tem visto uma “mudança dramática” no número de reclamções de postagens nas redes sociais identificando testemunhas e oficiais infiltrados. “A procuradoria e a polícia são os que mais saem ganhando,” diz ele. Renunciar ao telefone “é um pequeno preço a pagar pela segurança.”

Michael Richards, comediante conhecido por Seinfeld. Créditos: Biography.com

Adam Schwartz não tem tanta certeza. Advogado dos funcionários na Electronic Frontier Foundation, uma ONG baseada em São Francisco devotada a defender as liberdades civis no mundo digital, Schwartz me escreveu por e-mail que a organização está “preocupada com tecnologias que incapacitam, mesmo que temporariamente, todas as coisas benéficas que uma pessoa pode fazer com o smartphone.” Quando liguei para pedir que ele elaborasse, ele citou um vídeo, feito por um estudante da Carolina do Sul em 2015, mostrando um oficial da polícia jogando o corpo contra uma estudante negra do sexo feminino por perturbar a paz da aula. Ele me lembrou da gravação cheia de codinomes do comediante Michael Richards em 2006 que levaram ao debate sobre o uso de insultos raciais na comédia. Ele também falou da preocupação de que seus próprios filhos adolescentes deveriam ter acesso aos celulares para ligar 190 caso um atirador aparecesse na escola.

A tecnologia inverteu as estruturas tradicionais de poder com agilidade sem precedentes, e o controle de quase qualquer situação está gradualmente indo para as mãos (literalmente) daquele que está gravando. Nossos telefones nos tornaram em ciborges socialmente conectados, aumentando o significado da visão, da fala e da audição; tirando nossa habilidade de usar esses dispositivos, podemos estar comprometendo algo que não só está se tornando essencial para nós, mas sobre nós. “Há dez anos, muitas poucas pessoas andaram por aí com uma câmera ou gravadora, e poderia-se dizer facilmente que o Yondr está meramente restaurando o status quo,” diz Schwartz. “Mas a questão é, estamos melhores hoje, agora que qualquer um pode registrar maus feitos instantaneamente?”

Movimento Black Lives Matter.

Apesar de toda a reclamação que fazemos como indivíduos — sobre companhias rudes para o jantar que olham o celular a cada mordida, ou nossa própria inabilidade de sentar com calma e ler romances sem ficar impacientes — quase ninguém disputaria que smartphones ajudaram a catalisar alguns dos movimentos sociais mais importantes dos últimos anos. Black Lives Matter, Occupy Wall Street, a luta contra o assédio sexual em campi universitários: todos foram facilitados, ao menos parcialmente, pelas gravações capturadas e distribuídas via smartphones e redes sociais. Já vimos tentativas de impedir esta nova expressão democratizada, e são frequentemente desafiadas legalmente — depois que manifestantes alegaram que departamentos da polícia estavam usando bloqueadores de sinal para interceptar transmissões de seus celulares, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA lançaram um comunicado em 2014 chamando a prática de ilegal, exceto se autorizada especialmente por agentes federais. O Yondr é uma empresa privada, não o Estado, e ninguém abriu uma ação contra a empresa ou seus clientes. Mas Gene Policinski, Diretor de Operações do Newseum Institute e do Institute’s First Ammendment Center, acha que a tecnologia que desativa smartphones será “litigada de novo e de novo.” Dispositivos que restringem o uso de aparelhos como o as bolsas Yondr parecem inócuos, diz ele, “mas representam algo que poderia se tornar potencialmente perigoso.” Por meio de uma hipotética: e se os cidadãos precisassem colocar seus celulares em bolsas Yondr ou algo como elas antes de ir a uma reunião pública do conselho municipal? Isso poderia ser feito em nome da segurança, é claro, mas com um efeito potencial de silenciamento enorme.

E que se esqueça hipotéticas; até mesmo nos tipos de situações para que as bolsas Yondr foram pensadas originalmente, as aplicações potenciais são problemáticas. E se houvessem bolsas Yondr na apresentação de Hannibal Buress, quando ele contou uma piada amplamente creditada por dar início à atrasada derrubada de Bill Cosby? E o que interpretar do fato de que, após sete meses da piada sobre Cosby, Buress pulou de cabeça na ideia do Yondr e começou a impedir sua plateia de gravar suas apresentações?

Jay Stanley, da ACLU, compreende a simplicidade e a elegância do método do Yondr, mas preocupa-se que essa própria simplicidade — a escorregada sem fricção do celular para dentro da bolsa, a velocidade aparente da bolsa — poderia levar alguém a acreditar que não estão realmente abrindo mão de nada. Dugoni reconhece as preocupações: “O equilíbrio entre privacidade e transparência não é simples, e a vigilância e habilidade de gravar outras pessoas na esfera pública criam um dilema unicamente moderno.”

Ainda assim, ele acha que ganhamos mais do que perdemos ao restringir o uso de celulares: “Qual é a etiqueta dos smartphones?”, ele pergunta. “Você costumava poder fumar em um avião, e agora não pode fumar nem na rua, dependendo do lugar.” Dugoni acredita que a legislação restringente de celulares em certos locais públicos também é inevitável. “Já existem bares livre de telefones,” diz ele, referindo-se a estabelecimentos que bloqueiam o sinal de celular para encorajar a sociabilidade. “E vamos ter que determinar onde celulares podem ser usados ao responder uma questão radicalmente nova: o que significa ser humano em um mundo com um smartphone no bolso?”

Ao fim da apresentação de Chris Rock, fomos todos direcionados para fora do local. Seguranças estavam próximos à saída para abrir as bolsas. Reunidos a nossos telefones, apertávamos a tela desesperadamente, enquanto nos esbarrávamos e rolávamos os olhos. Eu recebi alguns e-mails do trabalho, mas nada urgente. Meu amigo havia mandado uma mensagem, perguntando quando eu chegaria em casa. Só algumas horas haviam se passado. Mas pareciam ter sido 10.

Texto escrito por Alice Gregory e traduzido do site WIRED.

EUA são único país fora do acordo climático de Paris

Resumo:

A Síria finalmente assinou o Acordo Climático de Paris depois de meses de guerra civil. Essa decisão faz dos Estados Unidos o único país a não participar do acordo climático histórico.

Aquele que fica de fora

Nota: os EUA disseram que sairiam do acordo em junho. No entanto, de acordo com a negociação original, isso não pode ser feito até 2020.

O Acordo Climático de Paris tem sido um tópico popular e controverso nos Estados unidos nesses últimos meses — ou ao menos desde que a administração de Trump decidiu tirar o país do acordo climático histórico. Após algumas semanas, quando pareceu que os EUA talvez mudassem de curso, as coisas parecem mais definitivas do que nunca. A Síria finalmente decidiu assinar o acordo, fazendo dos EUA o único país a não se comprometer oficialmente ao planejamento negociado para combater as emissões de gases do efeito estufa no mundo.

Quando o acordo de Paris foi adotado por mais de 190 países em dezembro de 2015, somente a Nicarágua e a Síria se abstiveram de participar do acordo. A Nicarágua só assinou em outubro desse ano, e agora a Síria resolveu ratificar a negociação. Isso deixa os EUA também como o único país das negociações originais a não assinar a definição.

A Síria estava passando pelas dificuldades da guerra enquanto as negociações de Paris aconteciam. Só agora que o país do Oriente Médio achou um tempo para respirar, finalmente considerar o acordo e enviar às Nações Unidas os documentos de ratificação, como relatam os oficiais presentes nas conversas sobre clima em Bonn, na Alemanha.

Um impulso que não desacelerou

Sob o acordo climático de Paris, países signatários têm como obrigação manter o aumento global de temperatura bem abaixo de 2 ℃ acima dos níveis pré-industrialização e, com o tempo, diminuir essa meta para menos de 1,5 ℃. Esforços para alcançar essas metas incluem, como informado no acordo, “Aumentar a habilidade de nos adaptarmos aos impactos adversos das mudanças climáticas, fomentar resiliência climática e o desenvolvimento com baixa emissão de gases, de forma que a produção alimentar não seja ameaçada.”

Embora não faça parte do acordo, estudiosos acreditam que os EUA ainda poderão alcançar essas metas. Vários estados concordaram em manter as obrigações do acordo de Paris apesar da falta de apoio em nível federal. Conhecidos como a Aliança Climática, esses 13 estados e Porto Rico representam mais de 33% da população americana, então não é surpresa que cobrem cerca de 1,3 milhão de empregos relacionados à energia limpa e renovável. Aliadas a esses estados, muitas cidades americanas também solidificaram metas locais em minimizar a emissão de gases do efeito estufa ou até mesmo eliminar o uso de combustíveis fósseis.

Então, embora os EUA não seja um participante oficial do acordo climático de Paris, não está tudo perdido. Ao passo que a ciência continua a provar que a mudança climática causada por seres humanos é real, e a economia da energia renovável continua a superar a de combustíveis fósseis, talvez o governo federal americano reconsidere seu posicionamento.

Texto traduzido por Cláudio Ribeiro do site Futurism.

"Não se exponha, é pelo seu bem…"

Disclaimer: esse texto foi feito por um homem para outros homens homossexuais. Deixo isso claro para justificar que, baseado em minhas experiências e vivências, só tenho propriedade para falar em nome desse grupo. Não é intenção excluir ou desamparar outros membros da sigla LGBT, e acredito que muito do conteúdo se aplica a outros 🙂

Quantas vezes você, gay assumido, já se deparou com essa sugestão? Seja de um parente próximo ou distante, de um amigo preocupado ou de um(a) professor(a) com quem você tem confiança, imagino que pelo menos uma vez essa mensagem já tenha sido direcionada até você. E por que ela é tão incômoda, por que não parece descer bem, por que parece ser contra-intuitiva? Para todos aqueles que se importam e gostariam de entender, vou fazer uma tentativa de explicar aqui por que eu, como homossexual e assumido em todas as esferas, acabo por me expor – aos olhos de alguns – e pretendo continuar a prática.

Vamos começar com a definição de assumido, que acho que é muito importante para que essa discussão seja até mesmo iniciada. Alguns veem esse ato como algo desnecessário, já que nossa sexualidade se resume aos nossos relacionamentos pessoais e nossas atividades sexuais. Mas será mesmo? Não somos como se fossemos diferentes de todos os outros, fazemos as mesmas coisas divertidas como uma caminhada no parque e montando um unu em todos os lugares. Um pequeno exercício que podemos fazer sobre isso é imaginar quais são todas as coisas em que somos a norma. Que não se entenda essa palavra como “normal”, devo deixar claro. Mas o que é mais frequente se ver na sociedade em que vivemos e como reagimos quando somos diferenciados? Deixamos claros em que aspectos somos diferentes ou fingimos ser sempre iguais a todos?

Exemplo 1: o encontro

Pessoa 1: Hummmm… Estou morrendo de fome.

P2: Eu também! Podíamos pedir algo para dois, não é mesmo?

P1: Ótimo, é bom que economizamos! Que tal essa picanha? Serve duas pessoas!

 

P1 é uma pessoa vegatariana. Você acha que:

a) Ela deveria esconder esse fato para não constrangir o interlocutor, e comer mesmo assim?

b) Ela deveria deixar claro que é vegetariana, e oferecer dois pratos ou um que sirva aos dois?

Exemplo 2: a noitada

Você é um adolescente. Todos os seus amigos estão bebendo em uma festa com você, mas você não gosta e não pretende beber.

Amigo 1: Cara, o que tem tomar uma cerveja? Não vai te matar.

A2: Pois é, que frescura. Pelo menos hoje, já que você está com a gente!

A3: Faz esse drama todo, nunca deve ter nem experimentado pra poder falar alguma coisa.

 

Você:

a) Cede à pressão e começa a beber, mesmo sabendo que já experimentou e não gosta;

b) Deixa claro que você não gosta do hábito e segue aproveitando a festa.

Eu imagino que a maior parte das pessoas não precise de mais exemplos.

Realmente, à primeira vista, não parece ser realmente algo que todos devam saber. Se eu namoro um rapaz, não faz diferença nenhuma para meu chefe ou meu colega de trabalho que eu namore com ele, e nossa amizade e relações de trabalho não mudarão em nada comigo assumindo. A menos que eu sinta uma enorme vontade de contar pra todo mundo, não tem por que tocar no assunto, certo? Errado. Afinal, devemos nos lembrar que nenhum caso na vida é algo que envolve somente um âmbito, e dentro do trabalho entra a questão social. Os amigos de escritório vão falar de mulher, criar grupos no WhatsApp, chamar para puteiros e conversar sobre namoradas e a guerra dos sexos. Se você não quiser participar do grupo de putaria do WhatsApp, vão querer saber por quê. E, na maior parte das vezes, é muito melhor falar que você é gay – felizmente a maior parte das pessoas no dia de hoje respeitam essa resposta – do que evadir responder e se manter no armário. Isso pode gerar zoações, mais questionamentos e acho até provável que uma leve antipatia pela sua aparente aversão de socializar. Também é muito melhor falar a verdade do que mentir – como contando que você namora – porque cedo ou tarde essa mentira vai ser colocada em teste, e o trabalho para mantê-la vai ser muito maior. Além de toda a situação ser extremamente desagradável.

E na faculdade? Bom, aí que eu acho que se assumir é realmente vital. Devo deixar claro que não considero que sair do armário seja uma declaração pública no grupo do Facebook do campus para que todos os estudantes saibam quem você é e com quem se relaciona, mas sim para os amigos. Para começar, toda e qualquer impressão que a sociedade faz sobre um grupo de pessoas começa a partir de estereótipos que criam a partir de representantes observáveis daquele grupo. Sem ninguém para saberem que é gay, não saberão como é ser gay, ou criarão suposições baseadas em um ou outro únicos exemplos. A melhor imagem que podemos causar sobre nossa sexualidade – e o tanto que somos diversos – parte de nós mesmos, e é essa a arma mais poderosa para mudar a percepção da homossexualidade e gerar empatia entre as pessoas. Isso independe de comportamento (feminino ou masculino), inclusive. Sendo boas pessoas e sendo vistos como homossexuais, melhoramos a imagem coletiva como um todo.

Outro ponto extremamente importante a respeito da faculdade são os relacionamentos em si. Meus pais se conheceram aos vinte e poucos anos enquanto cursavam a UFMG. Através de amigos de amigos, festas, acampamentos e aproximações, ficaram juntos, se casaram e criaram a minha família. Mas se não fosse possível, por algum motivo, que meu pai se declarasse para a minha mãe, ou que pudessem se beijar, ou que mesmo se sentissem confortáveis com a relação, qual seria a chance que realmente teriam? Se fosse a norma para todas as mulheres serem lésbicas, meu pai arriscaria chamar minha mãe para sair se ela não dissesse ser heterossexual?

Estar assumido em um ambiente, especialmente no universitário, onde nossa única obrigação é sermos bons estudantes – ao contrário de agradar a chefes ou colegas – é a melhor e maior oportunidade para que conheçamos pessoas com quem podemos nos relacionar. É assim que grandes namoros começam muitas das vezes, com e entre amigos. E sem que as pessoas saibam ao menos do que gostamos, fica muito difícil que nos aproximemos de alguém, ou que se aproximem de nós. Estar no armário, nesse caso, é garantir que todas as pessoas que se aproximem sejam do sexo oposto enquanto se busca alguém do mesmo sexo, com bastante dificuldade e dúvidas no caminho. Claro que hoje em dia existem aplicativos que auxiliam nessa questão, mas todos nós sabemos que nenhum é muito eficiente para apresentar pessoas que buscam um relacionamento, como as boates e bares gays já evidenciam há muito tempo.

Outro excelente ponto – e nesse caso eu chamaria de vantagem – a favor de ser um gay assumido se refere às pessoas à nossa volta. Muitas vezes estamos cercados de pessoas que não são verdadeiros amigos e não pensam realmente no nosso total bem estar. Sei o tanto que é desagradável ter que ouvir certos comentários ou zoações – viadagem é o que mais me irrita ultimamente – e não poder dizer nada, ou pior, ter que rir junto. Quando somos assumidos, quem se importa no mínimo fará um esforço para evitar tais comportamentos, e quem se incomoda com a sua existência simplesmente não estará em uma roda de conversa com você.

A faculdade é, acima de tudo, um local de aprendizado e crescimento, seja pessoal, acadêmico ou profissional. E, se temos tempo além das notas para deixarmos uma impressão e coibirmos o preconceito, acredito que esteja em nosso melhor interesse contribuir para essa troca. Não estou dizendo, em momento algum desse texto, que quem se sente desconfortável em estar exposto deva sair do armário mesmo assim só para agradar todos os outros gays, o que quero dizer é que o impacto que causamos nas pessoas ao nosso redor definitivamente vai contribuir para que essas pessoas aceitem outros como nós em outros locais e situações, e vai ajudá-los a entender que somos o mesmo homo sapiens sapiens, e que como deveria ser, nossa sexualidade não faz diferença no caráter que temos ou ao amor que destinamos aos que nos são próximos. Ser gay em um ambiente significa criar aliados, ter aliados significa envergonhar aqueles que atacam e, acima de tudo, significa sentir-se seguro.

Para finalizar, uma mensagem para a minha tia que inspirou esse texto: Tia, sei que você diz isso por ter medo que eu me machuque ou sofra constrangimentos ao afirmar que sou gay, sei que você me alerta para o meu “bem”, mas você precisa entender que o meu bem também inclui poder viver livremente, que as pessoas saibam com quem me relaciono sem isso ser algo incômodo ou desnecessário numa conversa – afinal homens discutem o tempo todo sobre loiras e morenas -, inclui demonstrações de afeto e inclui não me sentir censurado ou ofendido em conversas cotidianas. Acima de tudo, você tem que entender que o meu bem inclui ter alguém pra chamar de “meu bem”, e com as pessoas sabendo que “tipo” estou procurando, essa busca se torna muito mais fácil.

Vale lembrar: muitos dos que estão por aí na verdade usam a frase do título não pelo bem daqueles que amam, e sim simplesmente para tentar impedir que tenha-se que conviver com gays ou admitir que nós existimos por todos os lados. É pedir que nós fiquemos incomodados e ocultos para que eles não se incomodem. Deixo esse lembrete para sempre refletirem: quem deveria estar incomodado nos dias de hoje? 😉