"Não se exponha, é pelo seu bem…"

Disclaimer: esse texto foi feito por um homem para outros homens homossexuais. Deixo isso claro para justificar que, baseado em minhas experiências e vivências, só tenho propriedade para falar em nome desse grupo. Não é intenção excluir ou desamparar outros membros da sigla LGBT, e acredito que muito do conteúdo se aplica a outros 🙂

Quantas vezes você, gay assumido, já se deparou com essa sugestão? Seja de um parente próximo ou distante, de um amigo preocupado ou de um(a) professor(a) com quem você tem confiança, imagino que pelo menos uma vez essa mensagem já tenha sido direcionada até você. E por que ela é tão incômoda, por que não parece descer bem, por que parece ser contra-intuitiva? Para todos aqueles que se importam e gostariam de entender, vou fazer uma tentativa de explicar aqui por que eu, como homossexual e assumido em todas as esferas, acabo por me expor – aos olhos de alguns – e pretendo continuar a prática.

Vamos começar com a definição de assumido, que acho que é muito importante para que essa discussão seja até mesmo iniciada. Alguns veem esse ato como algo desnecessário, já que nossa sexualidade se resume aos nossos relacionamentos pessoais e nossas atividades sexuais. Mas será mesmo? Não somos como se fossemos diferentes de todos os outros, fazemos as mesmas coisas divertidas como uma caminhada no parque e montando um unu em todos os lugares. Um pequeno exercício que podemos fazer sobre isso é imaginar quais são todas as coisas em que somos a norma. Que não se entenda essa palavra como “normal”, devo deixar claro. Mas o que é mais frequente se ver na sociedade em que vivemos e como reagimos quando somos diferenciados? Deixamos claros em que aspectos somos diferentes ou fingimos ser sempre iguais a todos?

Exemplo 1: o encontro

Pessoa 1: Hummmm… Estou morrendo de fome.

P2: Eu também! Podíamos pedir algo para dois, não é mesmo?

P1: Ótimo, é bom que economizamos! Que tal essa picanha? Serve duas pessoas!

 

P1 é uma pessoa vegatariana. Você acha que:

a) Ela deveria esconder esse fato para não constrangir o interlocutor, e comer mesmo assim?

b) Ela deveria deixar claro que é vegetariana, e oferecer dois pratos ou um que sirva aos dois?

Exemplo 2: a noitada

Você é um adolescente. Todos os seus amigos estão bebendo em uma festa com você, mas você não gosta e não pretende beber.

Amigo 1: Cara, o que tem tomar uma cerveja? Não vai te matar.

A2: Pois é, que frescura. Pelo menos hoje, já que você está com a gente!

A3: Faz esse drama todo, nunca deve ter nem experimentado pra poder falar alguma coisa.

 

Você:

a) Cede à pressão e começa a beber, mesmo sabendo que já experimentou e não gosta;

b) Deixa claro que você não gosta do hábito e segue aproveitando a festa.

Eu imagino que a maior parte das pessoas não precise de mais exemplos.

Realmente, à primeira vista, não parece ser realmente algo que todos devam saber. Se eu namoro um rapaz, não faz diferença nenhuma para meu chefe ou meu colega de trabalho que eu namore com ele, e nossa amizade e relações de trabalho não mudarão em nada comigo assumindo. A menos que eu sinta uma enorme vontade de contar pra todo mundo, não tem por que tocar no assunto, certo? Errado. Afinal, devemos nos lembrar que nenhum caso na vida é algo que envolve somente um âmbito, e dentro do trabalho entra a questão social. Os amigos de escritório vão falar de mulher, criar grupos no WhatsApp, chamar para puteiros e conversar sobre namoradas e a guerra dos sexos. Se você não quiser participar do grupo de putaria do WhatsApp, vão querer saber por quê. E, na maior parte das vezes, é muito melhor falar que você é gay – felizmente a maior parte das pessoas no dia de hoje respeitam essa resposta – do que evadir responder e se manter no armário. Isso pode gerar zoações, mais questionamentos e acho até provável que uma leve antipatia pela sua aparente aversão de socializar. Também é muito melhor falar a verdade do que mentir – como contando que você namora – porque cedo ou tarde essa mentira vai ser colocada em teste, e o trabalho para mantê-la vai ser muito maior. Além de toda a situação ser extremamente desagradável.

E na faculdade? Bom, aí que eu acho que se assumir é realmente vital. Devo deixar claro que não considero que sair do armário seja uma declaração pública no grupo do Facebook do campus para que todos os estudantes saibam quem você é e com quem se relaciona, mas sim para os amigos. Para começar, toda e qualquer impressão que a sociedade faz sobre um grupo de pessoas começa a partir de estereótipos que criam a partir de representantes observáveis daquele grupo. Sem ninguém para saberem que é gay, não saberão como é ser gay, ou criarão suposições baseadas em um ou outro únicos exemplos. A melhor imagem que podemos causar sobre nossa sexualidade – e o tanto que somos diversos – parte de nós mesmos, e é essa a arma mais poderosa para mudar a percepção da homossexualidade e gerar empatia entre as pessoas. Isso independe de comportamento (feminino ou masculino), inclusive. Sendo boas pessoas e sendo vistos como homossexuais, melhoramos a imagem coletiva como um todo.

Outro ponto extremamente importante a respeito da faculdade são os relacionamentos em si. Meus pais se conheceram aos vinte e poucos anos enquanto cursavam a UFMG. Através de amigos de amigos, festas, acampamentos e aproximações, ficaram juntos, se casaram e criaram a minha família. Mas se não fosse possível, por algum motivo, que meu pai se declarasse para a minha mãe, ou que pudessem se beijar, ou que mesmo se sentissem confortáveis com a relação, qual seria a chance que realmente teriam? Se fosse a norma para todas as mulheres serem lésbicas, meu pai arriscaria chamar minha mãe para sair se ela não dissesse ser heterossexual?

Estar assumido em um ambiente, especialmente no universitário, onde nossa única obrigação é sermos bons estudantes – ao contrário de agradar a chefes ou colegas – é a melhor e maior oportunidade para que conheçamos pessoas com quem podemos nos relacionar. É assim que grandes namoros começam muitas das vezes, com e entre amigos. E sem que as pessoas saibam ao menos do que gostamos, fica muito difícil que nos aproximemos de alguém, ou que se aproximem de nós. Estar no armário, nesse caso, é garantir que todas as pessoas que se aproximem sejam do sexo oposto enquanto se busca alguém do mesmo sexo, com bastante dificuldade e dúvidas no caminho. Claro que hoje em dia existem aplicativos que auxiliam nessa questão, mas todos nós sabemos que nenhum é muito eficiente para apresentar pessoas que buscam um relacionamento, como as boates e bares gays já evidenciam há muito tempo.

Outro excelente ponto – e nesse caso eu chamaria de vantagem – a favor de ser um gay assumido se refere às pessoas à nossa volta. Muitas vezes estamos cercados de pessoas que não são verdadeiros amigos e não pensam realmente no nosso total bem estar. Sei o tanto que é desagradável ter que ouvir certos comentários ou zoações – viadagem é o que mais me irrita ultimamente – e não poder dizer nada, ou pior, ter que rir junto. Quando somos assumidos, quem se importa no mínimo fará um esforço para evitar tais comportamentos, e quem se incomoda com a sua existência simplesmente não estará em uma roda de conversa com você.

A faculdade é, acima de tudo, um local de aprendizado e crescimento, seja pessoal, acadêmico ou profissional. E, se temos tempo além das notas para deixarmos uma impressão e coibirmos o preconceito, acredito que esteja em nosso melhor interesse contribuir para essa troca. Não estou dizendo, em momento algum desse texto, que quem se sente desconfortável em estar exposto deva sair do armário mesmo assim só para agradar todos os outros gays, o que quero dizer é que o impacto que causamos nas pessoas ao nosso redor definitivamente vai contribuir para que essas pessoas aceitem outros como nós em outros locais e situações, e vai ajudá-los a entender que somos o mesmo homo sapiens sapiens, e que como deveria ser, nossa sexualidade não faz diferença no caráter que temos ou ao amor que destinamos aos que nos são próximos. Ser gay em um ambiente significa criar aliados, ter aliados significa envergonhar aqueles que atacam e, acima de tudo, significa sentir-se seguro.

Para finalizar, uma mensagem para a minha tia que inspirou esse texto: Tia, sei que você diz isso por ter medo que eu me machuque ou sofra constrangimentos ao afirmar que sou gay, sei que você me alerta para o meu “bem”, mas você precisa entender que o meu bem também inclui poder viver livremente, que as pessoas saibam com quem me relaciono sem isso ser algo incômodo ou desnecessário numa conversa – afinal homens discutem o tempo todo sobre loiras e morenas -, inclui demonstrações de afeto e inclui não me sentir censurado ou ofendido em conversas cotidianas. Acima de tudo, você tem que entender que o meu bem inclui ter alguém pra chamar de “meu bem”, e com as pessoas sabendo que “tipo” estou procurando, essa busca se torna muito mais fácil.

Vale lembrar: muitos dos que estão por aí na verdade usam a frase do título não pelo bem daqueles que amam, e sim simplesmente para tentar impedir que tenha-se que conviver com gays ou admitir que nós existimos por todos os lados. É pedir que nós fiquemos incomodados e ocultos para que eles não se incomodem. Deixo esse lembrete para sempre refletirem: quem deveria estar incomodado nos dias de hoje? 😉

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