Há vários motivos que podem estar influenciando no número de relacionamentos poligâmicos. Vou tentar começar pelos mais óbvios e depois tentar filosofar um pouco sobre o assunto.
1) O mundo nunca foi tão perfeitamente monogâmico, mas exceções e escapatórias eram sempre jogadas debaixo do tapete.
É muito comum você ver pessoas acima dos 40 anos lembrando com nostalgia dos tempos em que casais chegavam virgens ao matrimônio, tendo conhecido somente uma ou outra pessoa do mesmo sexo, e namorado por meses apenas com bitocas, buquês de rosas e passeios no parque. Infelizmente — ou felizmente, dependendo da forma como você encara isso — esse imaginário é mais constante nos filmes do que na realidade.
A verdade é que a maior parte dos homens no séc. XX traiam, muitos deles tinham amantes e segundas famílias, vários e vários tiveram filhos fora do casamento e conversavam abertamente com os amigos em mesas de bar sobre suas escapatórias. Era algo socialmente presente e reconhecido por todos, mas sumariamente escondido dos contos de fadas dos sobrenomes e famílias para a posteridade.
Isso sem nem tocarmos nos estupros…
2) O advento do divórcio mudou a forma como as pessoas encaram os relacionamentos.
Muitas pessoas hoje reconhecem que o mais provável de acontecer durante a vida adulta é que o primeiro casamento não acabe durando para sempre. À primeira vista, isso pode parecer triste, mas acaba sendo simplesmente um fato da vida humana. Não fomos feitos para ficar com uma pessoa só como outros animais, e isso atrapalha nossa visão ideal do matrimônio.
A verdade é que os casais de velhinhos que ficam juntos a vida inteira, como muitos de nossos avós, ficaram juntos porque viam o divórcio como vergonha, ou fracasso na vida, e por isso aguentavam muito mais coisas do que o que precisamos aguentar agora: traições, agressões físicas e psicológicas, e uma obrigação de salvar o casamento.
Hoje, se a pessoa está destruindo sua autoestima, chegando bêbada para te bater tarde da noite ou pulando a cerca todos os dias depois do trabalho com a secretária, você pode se divorciar e tentar ser feliz com alguém mais decente. Antigamente, era um “Ah, ele é assim mesmo, mas pelo menos ele provê para a família e sempre volta para dormir comigo.” Deeeeeus me livre.
3) A maior aceitação da própria sexualidade está em franca ascensão em todos os cantos do Ocidente.
Depois que eu me descobri gay, comecei a me perguntar: por que tantas pessoas têm dificuldades para entender que minha homossexualidade não foi uma escolha? Que eu não decidi, em algum ponto da adolescência, que só gostava de homens e do corpo de homens? Parece óbvio: da mesma forma que homens e mulheres heterossexuais desenvolviam seus primeiros desejos sexuais, brincavam de “Verdade ou consequência” e arrumavam seus primeiros namoricos e perdas de virgindade, eu também estava passando por TODAS as mesmas coisas, sentindo todas as mesmas sensações, só que o que acordava isso em mim eram outros homens, e não mulheres.
Daí, mais velho, acabei tendo uma teoria própria: talvez, tanta gente acredita que sexualidade é uma escolha porque de fato estão escolhendo. Sempre partimos do pressuposto de que a grande maioria das pessoas são heterossexuais e que os LGBTs são somente uns 10% da população. Hoje, creio que seja o caso de uns 15% serem realmente heterossexuais, 15% serem exclusivamente gays, e os outros 70% terem algum grau de bissexualidade.
Quem não tem muito contato com esse debate tende a crer que o bissexual é um ser extremamente promíscuo, que atira para todos os lados indiscriminadamente. Na realidade, tem aqueles que se apaixonam apenas por mulheres a vida inteira e só gostam de UM homem, ou o contrário, ou até o clássico meio a meio. Mas isso não significa que o bissexual esteja sempre traindo ou indo pra todo lado.
Então, pensando dessa forma, de fato para muitas pessoas ser heterossexual está sendo uma escolha, algo pensado e decidido, porque pra elas isso realmente é o que estão fazendo. E, assim, têm dificuldades para entender o gay. Alguns bissexuais mais safadinhos também têm dificuldades para entender a vontade do hetero, porque ele também acaba achando que, com cerveja o suficiente, todo mundo pega de tudo.
Considerando que eu esteja certo, faria sentido imaginar que muitas pessoas são bissexuais, e eventualmente podem apaixonar-se por duas pessoas, sendo elas do mesmo sexo ou não. E se isso ocorre em comum acordo entre mais de duas pessoas, elas podem tranquilamente entrar em um relacionamento exclusivo de forma mútua. Não estarão sendo nem um pouco mais promíscuas do que um casal clássico.
4) O casamento como instituição perdeu força, já que alicerça-se em religiões exclusivas
É um pouco de novidade para o Brasil, mas para outras sociedades mais diversas religiosamente, esse debate já acontece há bastante tempo. O fato é que as pessoas pensam diferente e acreditam diferente. Mesmo dentro de uma mesma denominação cristã, a relação de uma pessoa com seu deus é diferente da de outra. No caso da sociedade, especialmente hoje, não podemos forçar outras pessoas a acreditarem na nossa religião.
Sendo assim, as pessoas não sentem-se mais obrigadas e seguir uma questão bíblica simplesmente por conta da sociedade, e tendem a pensar por si mesmas. Talvez não seja tão necessário assim casar-se com apenas uma pessoa. Talvez não seja obrigatório que se passe a vida e divida as contas com somente outro. Ainda mais hoje em dia, que moradia anda tão cara e falta tempo para os afazeres domésticos (com todo mundo trabalhando), talvez até faça mais sentido você ter mesmo mais de um parceiro.
Eu, pessoalmente, sou monogâmico e não conseguiria nem mesmo estar em um relacionamento aberto da forma que penso hoje. Não descarto para o resto da vida, pois sabemos o tanto que pode acontecer em pouco tempo, mas hoje não é pra mim.
Ainda assim, consigo me colocar um pouco no lugar dos outros e entender que existem alternativas, e nenhuma delas vai ser necessariamente negativa. Assim como muitos casais gays hoje adotam crianças abandonadas, um trio de mães também poderia ser muito melhor do que um casal evangélico de bem na educação da criança. Até porque o que fazem na cama não interfere na criação.
O que precisamos parar de fazer é pular direto para a conclusão de que uma pessoa poligâmica é promíscua, “surubeira” ou sem consideração com as pessoas pelas quais sente carinho. Até onde tive contato, muitas vezes quem é poligâmico tem mais tolerância e respeito pelos parceiros do que muitos monogâmicos por aí.